quarta-feira, 9 de maio de 2012

Miguel Esteves Cardoso e Maria João Pinheiro partilham a sua luta...



A mulher de Miguel Esteves Cardoso, Maria João Pinheiro, está a lutar contra um cancro da mama, uma batalha que o casal resolveu partilhar e que motivou uma onda de solidariedade. 




A doença da antiga apresentadora da meteorologia da SIC, de 40 anos, foi diagnosticada em 2009. No entanto, no final de Abril, o escritor revelou, numa das suas crónicas no ‘Público', que o tumor da mulher se alastrou ao cérebro. Desde então, Miguel Esteves Cardoso tem descarregado todas as suas emoções através da escrita, onde revela o seu sofrimento com a situação e o amor pela mulher.



«Às vezes encontramo-nos com a cabeça nas mãos. Tudo o que poderia ter corrido bem correu mal. O mundo, que era igual à vida, afasta-se de repente. Distancia-se e continua a existir, como se nada tivesse a ver ou a haver connosco, como se fizesse questão de mostrar a independência dele, mundo, que não existe só porque nos damos conta dele. A má notícia é má, mas a pior, para quem cá está, é a pessoal. A minha pessoa é a Maria João e a Maria João passa mal. Nem o amor nem a sabedoria médica a podem salvar. Só uma conjunção das duas coisas, mais um acrescento de milagre. O cabrão do cancro alastra-se. Exterminado no pulmão ou na mama, foge para o cérebro, onde se refugia e cresce. Forma uma força da morte, aproveitando as barreiras antigas entre o sangue e o cérebro, que infiltra conforme lhe apetece. Hoje, domingo, é o último dia em que estaremos juntos, dois amores, felizes há quase vinte anos. Amanhã, logo às nove da manhã, estaremos na consulta dos excelentes neurocirurgiões do Hospital de Santa Maria, onde nos avisarão das complicações possíveis. Obama deveria inspirar-se na perfeição clínica e humana do serviço de saúde português e francês. Mas a dor não diminui. Nem a tristeza abranda. Vai morrer o meu amor. Não vai. Como o meu amor por ela, nunca há-de morrer. As coisas acontecem sem acontecer o pensamento nelas. A alma, o coração e a cabeça são coisas diferentes. Que se dão bem. E são amigas. E deixam de ser quando morrem».


O drama, segundo contou Miguel Esteves Cardoso, começou em 2009, quando foi detectado um cancro na mama. "Tratou-se esse cancro, mas mais tarde surgiram metástases no pulmão e agora no cérebro", explicou o escritor ao CM, dando conta do sucesso da operação realizada por Alexandre Campos e João Lobo Antunes, há uma semana, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa: "Todos foram inexcedíveis. Está em casa desde sexta-feira e a recuperar bem".

Na sua crónica ao Público na passada quinta-feira, Miguel Esteves Cardoso pede a Deus pela mulher.


«Deus,
Bem avisaste que eras um Deus invejoso e vingativo. Também sei que Job era um caso-limite: uma ameaça do que eras capaz. Nem eu nem a Maria João temos um milésimo da obediência e da resignação de Job. E castigaste-nos menos. Mas foi de mais.
De certeza absoluta que nos amamos mais um ao outro do que te amamos a Ti. Sabemos que isto não está certo. Mas foste Tu que nos fizeste assim. Admite: deste-nos liberdade de mais. Foste presunçoso: pensaste que Te escolheríamos sempre primeiro. Enganaste-Te. Quando inventaste o amor, esqueceste-Te de que seria mais popular entre os seres humanos do que entre os seres humanos e Tu. Por uma questão de tangibilidade. E, desculpa lá, de feitio. Tu, Deus, tens o pior das arrogâncias feminina e masculina. Achas que só existes Tu. Como Deus, até é capaz de ser verdade. Mas, para quereres ser um Deus real e humanamente amado, tens de aprender a ser um amor secundário. Sabemos que és Tu que mandas e acreditamos que há uma razão para tudo o que fazes, mesmo quando toda a gente se lixa, porque não nos deste cabeça para Te compreender. Esta deficiência foi uma decisão tua: não quiseste dar-nos a inteligência necessária.
Mas deste-nos cabeça suficiente para Te dizer, cara a cara, que nos preocupamos mais com os entes amados do que contigo.
Ajuda a Maria João, se puderes. Se não puderes, não dificultes a vida a quem pode ajudar. Faz o que só um Deus pode fazer: reduz-te à tua significância. Que é tão grande»



A equipa da Laço agradece ao Miguel Esteves Cardoso e à Maria João Pinheiro a disponibilidade de partilharem a sua história. Desejamos toda a força para ultrapassarem este período das suas vidas...

9 comentários:

ana freitas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
mig cos disse...

deus? é preciso ser muito vazio para se agarrar a uma ideia só pelo conforto que ela dá...

ana freitas disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Concordo "mig cos", mas haja a esperança e o desejo que a ideia faça germinar sentimentos e preencha o vazio.

Anónimo disse...

Infelizmente já vivi duas situações semelhantes e apesar de ter pedido a DEUS , ELE não me ouvi e os meus pais partiram. Não guardo rancor , apenas injustiça, pois logo os dois...

Desejo,agora, que ELE não se esqueça de vos estender as mãos.
Com amizade
Nilde

Anónimo disse...

sempre admirei M. E. C. pela capacidade da sua escrita. Confesso que o que li e dimensão humana que revela me deixam ainda mais admirador do Homem, do apaixonado, do Ser Humano que tão simplesmente pede a Deus pelo seu amor. Que posso fazer eu que tão pouco acredito ? Pedir que a felicidade e o dom da vida se derramem sobre quem tanto o merece.

maria soares disse...

Concordo com tudo o que disse Miguel Esteves Cardoso!um desabafo de grande lucidez acompanhado de uma dor Acutilante e ainda ter esta coragem é ser-se Maior no sentido da pessoa!!! Grande força e que a Maria João sobreviva!Um abraço solidário para convosco na vossa grande luta.

luzia carvalho disse...

Já passei pela mesma situação e sei quanto ela dói. Porem, não me revoltei. CRreio, firmemente, que DEUS, um dia nos vai juntar de novo embora as saudades façam sofrer horrores e o vazio não se consiga preencher. Só compreenderei este mistério, um dia, quando partir também. Que DEUS vos ajude1

MJC disse...

Vi hoje a entrevista da Fátima M Ferreira ao MEC e chocou me o comentário que "mig cos" fez neste blog no dia 9 de Maio de 2012; quero responder-lhe que MEC não é vazio só porque dialoga com Deus; de facto, cada um de nós tem uma zona do cérebro específica que só fica activa com o conceito de sagrado, de Deus! Não sabia? Portanto, vazio é quem desconhece essa realidade do cérebro humano.